Novo método detecta fraudes no café com 97% de acertos

Novo método detecta fraudes no café com 97% de acertos

Nem todo café que chega à xícara entrega o que promete no rótulo. Em vez de grãos nobres, há quem moa engano. Uma pesquisa da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná, desenvolveu um método que detecta fraudes em cafés moídos e torrados com 97% de precisão, promete a equipe envolvida no projeto. A tecnologia combina duas ferramentas: fluorescência de raio-X (XRF) e espectroscopia de infravermelho próximo (NIR). A proposta tem a ambição de transformar a forma como o Brasil fiscaliza o café.

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Enquanto técnicas atuais funcionam como bisturis – precisas, mas lentas, invasivas e laboratoriais -, o modelo proposto pela UEL atua como um scanner. Faz uma leitura rápida e silenciosa da composição química do café, sem reagentes e sem geração de resíduos.

A iniciativa surgiu a partir da observação do físico Felipe Rodrigues dos Santos, do Laboratório de Física Nuclear Aplicada da UEL. Durante testes iniciais, ele percebeu que conseguia distinguir grãos saudáveis de cafés com defeitos — verdes, pretos, ardidos. A partir daí, decidiu investigar adulterações que comprometem a qualidade e enganam o consumidor.

“O processo consiste em incidir ondas eletromagnéticas sobre o café torrado e moído: usamos raios-X para identificar os elementos químicos presentes e luz na faixa do infravermelho para identificar os compostos orgânicos. Essas informações formam uma ‘assinatura’ da amostra. A partir desses dados, desenvolvemos modelos de machine learning para identificar a presença de fraudes”, explica o físico.

Um machine learning, ou aprendizado de máquina, é um subconjunto da inteligência artificial (IA) – cria sistemas que aprendem sozinhos e melhoram conforme recebem mais dados. Quanto mais informações, mais precisas as previsões.

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Pesquisa inédita e considerada de alta precisão

O pesquisador Felipe Rodrigues dos Santos afirma que não há registros na literatura científica de estudos que combinem fluorescência de raios-X (XRF) e espectroscopia de infravermelho próximo (NIR) para identificar fraudes no café. A inovação mostrou 97% de precisão nas análises preliminares.

“Alguns estudos bem recentes, deste ano, estão tentando desenvolver metodologias para a identificação do teor mineral no café usando a fluorescência XRF, mas combinando essas técnicas para identificação de fraudes não existe nenhuma publicação. Então, isso é uma contribuição científica que nós podemos dar”, evidencia o pesquisador.

Além de detectar adulterações, o método aponta a presença de metais pesados, como o chumbo.

A fluorescência de raios-X funciona como um “scanner químico”: ao atingir a amostra, os raios excitam os átomos, que emitem sinais específicos. A leitura desses sinais revela a composição do material. Já a espectroscopia NIR analisa como a radiação infravermelha interage com a matéria, revelando características químicas e físicas.

Além de detectar adulterações, o método aponta a presença de metais pesados, como o chumbo. Porém, o pesquisador ressalta que os testes iniciais usaram amostras locais. Para validar os resultados, a equipe deve analisar mais de 100 amostras com apoio do Centro de Pesquisa em Qualidade do Café, do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR). O pesquisador da UEL conta com a colaboração dos também físicos Fábio Melquiades e Fábio Lopes, da pesquisadora do IDR-PR, Patricia Santoro e dos alunos João Vitor Andrade e José Vinicius Ribeiro.

Pesquisador da UEL, o físico Felipe Rodrigues dos Santos, criou um método para detectar fraudes no café, com 97% de precisão.Pesquisador da UEL, o físico Felipe Rodrigues dos Santos, criou um método para detectar fraudes no café, com 97% de precisão. (Foto: André Ridao/Agência UEL)

Impurezas, defeitos e fraudes no café

O café torrado carrega impurezas naturais, como cascas e paus do próprio cafeeiro. Além disso, apresenta defeitos quando produtores fazem a colheita fora do ponto ou a armazenagem seja feita de forma inadequada.

No entanto, o que mais preocupa são as fraudes. A presença de soja, milho, cevada e coquinho de açaí não podem aparecer e são proibidas pela Portaria da Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) nº 570/2022. O documento proíbe a adição de outros ingredientes que não sejam o grão de café puro.

Além disso, muitos produtores misturam espécies diferentes, como o Coffea canephora e o Coffea arabica, sem explicitar essa informação no rótulo. Embora essa prática seja legal quando declarada, a omissão ainda é frequente.

Desde 1989, a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) monitora o que os brasileiros consomem. A entidade realiza cerca de 5 mil análises por ano, abrangendo tanto marcas associadas quanto não associadas ao seu programa de certificação.

A pesquisa da UEL usa fluorescência de raios X (XRF) e espectroscopia de infravermelho próximo (NIR) para identificar fraudes no café.Pesquisa da UEL usa fluorescência de raios-X (XRF) e espectroscopia de infravermelho próximo (NIR) para identificar fraudes no café. (Foto: André Ridao/Agência UEL)

Abic usa inteligência artificial para aprimorar protocolo

A partir de 2004, a Abic passou a aplicar um protocolo sensorial específico para cafés torrados. No ano passado, atualizou o modelo e lançou o Protocolo Brasileiro de Avaliação Sensorial de Cafés Torrados, adaptado ao gosto e à percepção dos consumidores, uma nova definição de estilos e uso de IA para sanar os possíveis desvios causados pela subjetividade.

“Neste novo protocolo passamos a focar nos atributos e descritores da bebida, e não mais em uma nota de qualidade global, para definir o estilo de cada produto e mostrar para o consumidor que café não é tudo igual”, explica Camila Arcanjo, consultora de qualidade da Abic.

Com o tempo, os Selos de Certificação da Abic impulsionaram melhorias, avalia o órgão. Em 30 anos, o nível de impurezas caiu de 30% para menos de 1%, conforme dados divulgados pela associação. Desde 1990, a Abic emitiu 32,5 bilhões de selos — cada um indica que o café foi testado, aprovado e possui qualidade garantida. Em 2024, 2.132 produtos receberam certificação.

Caso a tecnologia desenvolvida pela UEL seja validada em larga escala, pode contribuir para acelerar esse processo. “A Abic está aberta a inovações e ficamos felizes por saber que há um ambiente fértil na ciência para aprimorar as análises, porque precisamos de agilidade. Temos muitos cafés para certificar e analisar, é um número muito alto de produtos certificados que temos que monitorar e o resultado dessas pesquisas pode ajudar muito”, afirma Giuliana Bastos, consultora da Abic.

A Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic) emitiu 32,5 bilhões de Selos em embalagens de 500g, desde 1990.A Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic) emitiu 32,5 bilhões de selos em embalagens de 500g, desde 1990. (Foto: Ari Dias/Arquivo AEN-PR)

Como é feito o controle da qualidade do café?

A fiscalização da qualidade do café se baseia, principalmente, na microscopia estereoscópica. A técnica está prevista na Portaria SDA nº 570/2022. Técnicos analisam amostras em lâminas com microscópio, procurando impurezas e materiais estranhos. Para isso, utilizam reagentes como o clorofórmio, substância controlada.

Além disso, há a análise sensorial, ou cup-test, usada por laboratórios certificados pela Abic, que usam a metodologia do protocolo brasileiro. O método é minucioso, depende de provadores certificados, preparo padronizado e ambiente controlado. É eficaz, requer no máximo 10 minutos, mas o volume de cafés a serem analisados é muito grande.

“Alguns métodos podem ser demorados, dependem de laboratórios especializados. Por isso, ainda existe a necessidade de métodos mais objetivos, rápidos e de fácil aplicação, que possam ser aplicados in situ”, avalia o pesquisador da universidade paranaense.

Nesse cenário, o novo método da UEL oferece uma alternativa promissora. “É um método mais barato em comparação à microscopia e à cromatografia. As análises por XRF e NIR são muito rápidas — em poucos segundos você tem os resultados, sem necessidade de preparação de amostras”, completa.

Portaria nº 570 do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) criou o Padrão Oficial de Classificação do Café Torrado e prazo para adaptação terminou em junho de 2025.Portaria nº 570 do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) criou o Padrão Oficial de Classificação do Café Torrado: o prazo para adaptação terminou em junho de 2025. (Foto: José Gomercindo / Arquivo AEN-PR)

Governo federal promete aumentar fiscalização contra fraudes no café

Até maio de 2022, o café torrado era vendido no Brasil sem normas específicas de controle oficial de qualidade. Essa lacuna foi preenchida com a Portaria SDA nº 570/2022, que criou o Padrão Oficial de Classificação do Café Torrado. A regra passou a valer em janeiro de 2023, com prazo de 18 meses para adaptação da embalagem. Esse prazo terminou no mês passado (junho de 2025).

Desde então, as exigências passaram a ser obrigatórias para torrefadoras, marcas e comerciantes. Pela primeira vez, o Brasil adotou critérios técnicos e legais para o café torrado para todo o território nacional. O Ministério da Agricultura já fez três divulgações de marcas consideradas impróprias para consumo, com base no Decreto nº 6.268/2007, que determina recolhimento imediato em casos de risco sanitário ou fraude.

Além disso, o extrato aquoso (quantidade de substâncias solúveis em água) deve ser de no mínimo 20%, e o teor de cafeína, acima de 0,5% — ou até 0,1% no caso de cafés descafeinados. A película prateada, liberada durante a torra, não é considerada impureza.

A norma também estabelece corresponsabilidade. Produtores e varejistas respondem juntos por irregularidades. Torrefadoras devem se registrar no Sistema Integrado de Produtos e Estabelecimentos Agropecuários (Sipeagro) e podem optar por laboratórios próprios ou classificadoras credenciadas.

Cafés adulterados podem provocar desde reações alérgicas até quadros graves. Cafés adulterados podem provocar desde reações alérgicas até quadros graves. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O que sua xícara contém?

Neste ano, o Brasil deve produzir 65 milhões de sacas de café. A estimativa é do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). No primeiro semestre, o país exportou 16,8 milhões de sacas e consumiu internamente cerca de 10,5 milhões — o equivalente a 715 xícaras por pessoa ao ano.

Apesar disso, nem todo café que perfuma a cozinha é seguro. Impurezas, grãos defeituosos ou espécies não declaradas transformam a bebida em ameaça silenciosa. Essas adulterações provocam efeitos diversos. Em casos mais leves, causam reações alérgicas.

Segundo a Anvisa, em situações graves, colocam órgãos vitais em risco. Grãos ardidos, por exemplo, podem conter micotoxinas como a ocratoxina A — substância associada a danos renais, alterações no fígado e risco de câncer, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Além disso, há o perigo invisível da presença de metais pesados em cafés adulterados. Substâncias como chumbo, cádmio e mercúrio afetam o sistema nervoso, comprometem a fertilidade e, em longo prazo, podem levar à intoxicação crônica. Outro fator crítico envolve o armazenamento. Materiais mal conservados favorecem a presença de fungos e bactérias, o que propicia infecções gastrointestinais, principalmente em pessoas com baixa imunidade.

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