Todo ano acontece. Terminado o Fórum de Lisboa, a mais despudorada reunião da corrupção institucional brasileira, publicam-se textos laudatórios. Uma coreografia de adulação gratuita, autoengano da consciência e racionalização contemporizadora dos “novos tempos”.
No esforço de legitimar a extravagância, desviam da discussão jurídica, política e ética que condiciona qualquer outra ponderação sobre o evento. Desviam das preliminares que importam. O silêncio eloquente grita condescendência. Desconversar é estratégico. Sem querer, confessa.
Nenhuma palavra sobre conflitos de interesses e falta de transparência financeira. Sabemos da existência de gastos de dinheiro público e de patrocinadores privados, mas nada sobre quanto ou quem. Sabemos que todos os patrocinadores privados têm interesse, imediato ou eventual, nas decisões dos tribunais. Sabemos que a companhia privilegiada de ministros subverte e desequilibra o acesso a justiça e o devido processo.
Nenhuma palavra sobre algo ainda mais elementar: é apropriado reunir, num evento privado, organizado por empresa de ministro, cercado por lobistas de setores econômicos variados, as mais altas autoridades jurídicas e políticas do país? O fato de se desconhecer coisa parecida no mundo deveria suscitar pelo menos a dúvida.
Não se pergunta o quanto essa convergência de interesses dilui instituições e exclui outros interesses. Não por coincidência, exclui interesses daqueles grupos que participam dessa história com apenas um recurso: o direito fundamental. O direito à liberdade, à terra, à saúde, ao trabalho digno, ao modo de vida.
O magro recurso que restava a vulneráveis não entra no condomínio fechado por muros transatlânticos e portões magistocráticos.
Nessa substituição do público pelo privado, nessa correlação perversa entre institucionalização do privado e desinstitucionalização do público, o resultado já se conhece de antemão. Sem risco de derrota.
A jornalista Mara Luquet formulou a descrição mais cândida do encontro. Para ela, o Fórum “articulou soluções para impasses reais da política brasileira” e “se consolidou como espaço legítimo de formulação, influência e articulação institucional”. Teria havido “menos performance e mais trabalho de bastidor, mais articulação do que autopromoção”. Não só “boas falas”, mas “costuras importantes”.
Percebeu ali um “centro informal de mediação política brasileira”: “Nos corredores, o trabalho também correu fora dos holofotes”. Alexandre de Moraes teria sido um exemplo: “Mesmo com compromissos no palco, passou boa parte do tempo costurando, fora do expediente. Foi de Lisboa que bateu o martelo para a conciliação”.
A localização no exterior “contribui para sua eficácia”, pois “distanciamento físico e simbólico de Brasília reduz a temperatura dos debates e favorece conversas francas”. Segundo ela, não fosse lá, não fosse assim, nada disso seria possível.
Ninguém havia conseguido sintetizar de forma tão exata: “Da piada à instituição”. É isso, uma instituição, não uma piada. Uma instituição privada, camuflada, manipuladora. À margem do acordo constitucional.
Aos magistrados, advogados e ministros que recusaram presença por discernimento ético e consciência institucional, agradecemos o fio de esperança.
Recebam a medalha dos que não foram. Até 2026.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.