O anúncio de tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros, feito por Donald Trump sob a justificativa de “perseguição política” a Jair Bolsonaro, reacendeu a tensão entre Brasil e Estados Unidos. A medida foi interpretada como tendo apenas motivação política, permitindo ao governo Lula apresentar-se como alvo de uma articulação entre a oposição e o governo americano. Desde então, analistas discutem se o episódio poderá ser usado para reforçar a coesão institucional e gerar ganhos eleitorais.
O que mostram outros episódios de sanções ou tarifas externas? Em alguns casos, gestos hostis vindos de fora estimulam apoio ao governo, especialmente quando a narrativa de soberania nacional é bem conduzida. Mas a literatura empírica mostra que a reação do eleitorado varia. Quando os custos econômicos recaem sobre grupos articulados e não há compensação clara, a pressão externa pode se voltar contra quem governa, mesmo que o conflito tenha sido provocado por outros.
O exemplo mais recente é o do Canadá. Com o Partido Liberal em queda nas pesquisas e enfrentando uma campanha difícil contra os Conservadores, o anúncio de tarifas por Trump, acompanhado de insinuações sobre a soberania territorial, foi incorporado pela campanha como símbolo de agressão externa. O governo Trudeau ativou o discurso de unidade nacional, e Mark Carney passou a ser identificado como defensor da economia canadense. Pesquisas registraram aumento de aprovação e os Liberais venceram nas urnas.
No Irã, as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos durante o governo Trump foram enquadradas pelo regime como parte de uma ofensiva política contra o país. Um estudo analisou cerca de dois milhões de postagens de influenciadores iranianos e observou que, após o endurecimento das sanções, houve aumento do apoio ao regime, inclusive entre opositores moderados. A retórica nacionalista pareceu se sobrepor ao custo material.
Mas o mesmo padrão não se repete sempre. Na Rússia, as sanções ocidentais impostas após a anexação da Crimeia, em 2014, não resultaram em fortalecimento unânime do governo. Um estudo de Timothy Frye mostrou que a reação da população foi dividida. Russos alinhados ao regime culparam o Ocidente e mantiveram seu apoio a Vladimir Putin. Mas em áreas urbanas afetadas pela deterioração econômica, houve queda de aprovação ao governo. Já Alexseev e Hale mostraram que as sanções internacionais de 2014 contra a Rússia tiveram um efeito negativo modesto na aprovação de Putin. O patriotismo despertado pela anexação da Crimeia causou um aumento significativo no apoio ao governo, mas as sanções isoladas não geraram um reforço político —apenas um desgaste discreto.
Um caso em retaliação comercial que gerou efeitos negativos vem dos Estados Unidos. Durante a guerra comercial com a China, iniciada no primeiro governo Trump, Pequim impôs tarifas sobre produtos agrícolas e industriais, atingindo diretamente redutos eleitorais republicanos. Análises de Blanchard, Bown e Chor, e de Fetzer e Schwarz mostram que os condados mais afetados registraram queda significativa de apoio a candidatos republicanos nas eleições de meio de mandato em 2018. As regiões mais prejudicadas eram as mesmas que haviam dado sustentação à eleição de Trump dois anos antes.
A política tarifária do atual governo dos Estados Unidos recoloca esse impasse no Brasil. A medida anunciada por Trump tem claro conteúdo político e atinge diretamente setores exportadores. Ainda não se sabe se o governo Lula conseguirá transformar esse episódio em capital político, como ocorreu no Canadá, ou se será interpretado como sinal de fragilidade internacional. O que os estudos indicam é que os efeitos da pressão externa dependem do contexto, dos grupos afetados e da capacidade de reação. E nem sempre favorecem quem está no poder.
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