Dono da sexta maior reserva de urânio do mundo, o Brasil esconde minas do metal base da energia nuclear que foram catalogadas há décadas e esquecidas, sem investimentos públicos para a exploração mineral. A União é detentora do monopólio do urânio brasileiro, metal cobiçado por países pela possibilidade de geração de energia limpa, descarbonização e transição energética.
Além disso, as minas localizadas nos estados de Paraná, Goiás, Paraíba e Ceará estão associadas a outros minérios, como cobre, ouro, terras raras e diamantes. A empresa Indústrias Nucleares do Brasil (INB) deve lançar no segundo semestre deste ano editais para exploração em parceria para separação dos metais, sendo que o urânio ficará sob responsabilidade da estatal.
Na avaliação do presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), Celso Cunha, o país pode se apropriar de parte do mercado mundial com a revisão política de vários países que passaram a reconsiderar a utilização da energia nuclear para suprir demandas nacionais. “Nós temos urânio como matéria prima, conhecimento e a capacidade de produzir o combustível nuclear. Alguns países, como a China, têm o conhecimento, mas não possuem urânio”, contextualiza ele.
Cunha lembra que o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, comparou o mapa das jazidas de urânio ao pré-sal do petróleo brasileiro por causa da potencialidade dos projetos no atendimento do mercado interno e também para a exportação. “O Estado ainda mantém o controle sobre o material radioativo e o ministro usa essa figura de linguagem que o país possui um pré-sal de urânio debaixo da terra pelo volume de energia e dinheiro que temos ali, sendo que o mercado mundial é ávido por esse produto”.
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Editais para exploração de minas de urânio se arrastam no governo Lula
A INB confirmou que as minas de Figueira (PR), Espinhara (PB), Amorinópolis (GO) e Rio Preto (GO) integram o programa Pró-Urânio da estatal para exploração em parceria com a iniciativa privada. Além delas, a INB aguarda o início das operações na jazida de Itataia, no município de Santa Quitéria (CE), previsto até 2029.
A exploração da área com urânio e fosfato ficará sob responsabilidade da empresa Galvani Fertilizantes. A única mina de urânio em atividade no Brasil está no município baiano de Caetité, sob administração da estatal.
“O ideal não é vender o urânio in natura, já que nós sabemos produzir o combustível”, aponta o presidente da Abdan. Ele pontua que, no final de 2022, houve uma importante mudança na legislação brasileira, que passou a permitir a atuação da iniciativa privada na pesquisa e lavra de minérios nucleares.
A lei foi sancionada por Jair Bolsonaro (PL) nos últimos dias do mandato presidencial. “Na nossa visão, não faz menor sentido o governo cavar buraco porque extrair qualquer minério do solo é apenas cavar buraco. Isso é papel da iniciativa privada”, defende.
Apesar da lei vigente, o setor aguarda o lançamento dos editais para formalização das parcerias desde janeiro de 2023, quando Lula assumiu a Presidência da República. “A expectativa vem desde o primeiro dia do atual governo. O fato é que até agora não aconteceu. Então, estamos aqui aguardando ansiosamente para ver se esse ‘pré-sal’ vai virar realidade”, cobra Cunha.
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Minas de urânio são base para produção de energia limpa
Segundo o presidente da Abdan, a demanda por urânio no mercado internacional está em alta pelo advento dos pequenos reatores nucleares, que devem se espalhar pelo mundo para a descarbonização da indústria. Além disso, a energia nuclear é considerada uma das principais alternativas para a sustentação contínua de datas centers.
“A energia para data center tem que estar 24 horas no ar, sete dias por semana. Não dá para desligar quando anoitecer ou parar o sistema se não ventar. Outras tecnologias ainda são novas e têm muito a se provar. A única térmica que é efetivamente limpa é a energia nuclear”, argumenta.
Cunha calcula que o Brasil tem mais de US$ 75 bilhões em empreendimentos do setor energético parados no Ibama à espera de licenças ambientais, entre eles, o projeto inédito no interior do Ceará. “Entrando em funcionamento, Santa Quitéria será capaz de abastecer Angra 1, Angra 2, Angra 3 e ainda terá uma parte que poderá ser vendida no mercado internacional”, projeta.
Ele afirma que o urânio brasileiro catalogado é suficiente para abastecimento do país por no mínimo 200 anos, mas alerta para a necessidade de ampliação do parque de usinas nacionais. “O setor nuclear pode trazer múltiplas vantagens, como a produção de hidrogênio, dessalinização de água e descarbonização da mineração no Brasil, quase toda feita através de geradores de diesel, além da transversalidade do setor com a medicina nuclear, no tratamento e no diagnóstico de câncer”, completa.
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Jazida no Ceará é considerada estratégica para o Brasil
Após mais de uma década de pesquisas, a Galvani Fertilizantes desenvolveu uma rota tecnológica inédita no país para a separação de fosfato e urânio na jazida de Itataia, em Santa Quitéria. Os minérios compõem 99,8% e 0,2% da mina cearense, respectivamente.
O empreendimento é considerado estratégico para o Brasil, com o potencial de reduzir a dependência nacional de fertilizantes fosfatados importados, que atendem 87% da demanda brasileira. A produção anual prevista é de 1 milhão de toneladas de fertilizantes e 220 mil toneladas de fosfato bicálcico para nutrição animal. A Galvani pretende atender 25% do mercado de fertilizantes fosfatados e 50% da demanda por fosfato bicálcico nas regiões Norte e Nordeste.
O urânio extraído, sob o monopólio do governo federal, será destinado às usinas nucleares de Angra 1 e 2, com potencial de entrada no mercado internacional, já que a INB produzirá mais do que o necessário para o abastecimento interno e projeta dobrar sua receita anual. O grau natural do urânio em Santa Quitéria está abaixo de 1% e será enriquecido pela INB a 4,5% para a energia nuclear.