Trump e Lula violaram princípios que invocam sobre tarifas – 14/07/2025 – Glenn Greenwald

Trump e Lula violaram princípios que invocam sobre tarifas – 14/07/2025 – Glenn Greenwald

As reações ao anúncio do governo dos Estados Unidos de impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros foram, como era de esperar, intensas e apaixonadas. Diversos princípios nobres foram invocados por todos os lados para justificar suas posições.

No entanto, a natureza enganosa e meramente pretextual desses “princípios” torna-se imediatamente evidente diante do mais leve exame crítico.

Primeiro, temos o presidente Donald Trump posando como defensor da liberdade de expressão e inimigo implacável do abuso do poder e do autoritarismo. Tenho escrito e reportado repetidamente sobre os perigos do crescente regime de censura e os diversos abusos de poder liderados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Este jornal já se posicionou editorialmente contra tais excessos.

Mas a ideia de que o presidente Trump se incomoda com isso é, no mínimo, risível. Nenhum presidente americano —e certamente não Trump— se incomoda com a tirania. Ao contrário: um dos pilares centrais da política externa dos EUA tem sido apoiar, financiar e armar os ditadores mais selvagens do mundo, desde que sirvam aos interesses americanos.

Os EUA, durante décadas, derrubaram governos democraticamente eleitos e apoiaram a sua substituição por marionetes mais úteis: no Irã, na Indonésia, no Chile, no Brasil e, mais recentemente, em Honduras (2009), no Egito (2013), na Ucrânia (2014) e na Bolívia (2019).

Há apenas dois meses, Trump visitou e elogiou efusivamente os mais próximos —e mais tirânicos— aliados dos EUA: as ditaduras da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos e do Catar.

E tudo isso é independente dos ataques descarados à liberdade de expressão promovidos pelo próprio governo Trump. Ele puniu e até deportou pessoas pelo “crime” de criticar Israel ou de zombar de autoridades americanas. Também exigiu que as principais universidades adotem regras de “discurso de ódio” que proíbam diversas críticas a Israel.

Quaisquer que tenham sido os motivos de Trump ao impor tarifas ao Brasil, a preocupação com os perigos do autoritarismo certamente não está entre eles.

Em seguida, temos os “princípios” invocados com fúria por Lula e pelo STF ao condenarem a tentativa de Trump de ditar os rumos do Brasil. “O Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém”, declarou Lula em resposta ao anúncio de Trump.

Lula acredita que o Judiciário brasileiro é “sólido e independente”? Desde quando? Em 2018 e 2019 —quando foi condenado por esses mesmos tribunais (com aprovação do STF, inclusive o herói nacional da esquerda, Moraes)—, Lula e seu partido pediram, insistentemente, que outros países e organizações internacionais interviessem, acusando o Judiciário de ser fundamentalmente corrompido, politizado e incapaz de julgar Lula com imparcialidade.

Ao pedir à ONU (Organização das Nações Unidas) que anulasse a condenação de Lula, seu advogado argumentou que Lula “não pode obter justiça no Brasil sob o sistema inquisitorial vigente”, pois o mesmo juiz que investiga é o que decide a culpa —exatamente o mesmo sistema que hoje se aplica a Bolsonaro e seus aliados, nos quais Moraes atua simultaneamente como investigador, julgador e, às vezes, até como suposta vítima.

Além de pedir que a ONU e a OEA (Organização dos Estados Americanos) anulassem decisões do STF sobre Lula, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, deu uma entrevista à Al Jazeera em 2018. Ela chamou Lula de “preso politico”, ressaltou a amizade histórica de Lula com o mundo árabe e pediu que as nações árabes agissem para pressionar por sua libertação (o procurador-geral da República anunciou uma investigação para determinar se a parlamentar petista “atentou contra a soberania nacional”).

Mais grave ainda: o próprio STF incentivou a interferência do governo Biden nas eleições presidenciais brasileiras de 2022. Após o envio do diretor da CIA (agência americana de inteligência) e de outros emissários a Brasília para advertir Jair Bolsonaro (PL) a não questionar o resultado eleitoral, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, admitiu em um discurso em Nova York que ele mesmo havia pedido pelo menos três vezes que o governo dos EUA se envolvesse. Celebrando essa interferência, o ministro afirmou que ela representou um “apoio decisivo… porque os militares brasileiros não gostam de se indispor com os Estados Unidos”.

O governo Trump se opõe a abusos de poder e a ataques à liberdade de expressão? Depende do que lhe convém no momento. Lula realmente acredita que as instituições judiciais brasileiras são independentes e confiáveis? O STF é mesmo contra qualquer interferência americana nas instituições políticas do país? A resposta é a mesma.

Há muito em jogo nesse conflito entre Estados Unidos e Brasil. Princípios universais e genuinamente defendidos, no entanto, não estão entre eles.


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